Felipe Carneiro / Diário Catarinense
"O planeta vive uma nova revolução de consciência", diz guru espiritual Sri Prem Baba
Durante passagem por Florianópolis, o mestre concedeu entrevista e falou sobre consciência, empatia, amor e superação do luto.
Se existe uma cura para o mundo, essa cura é o amor. Talvez a missão de sarar as dores do planeta seja complexa para um único homem, mas ao plantar sementes, o líder humanitário e mestre espiritual brasileiro Sri Prem Baba tem feito a sua parte.
O guru pop de 52 anos e longas barbas brancas que circula ao lado de celebridades está ganhando fama espalhando mensagens de amor. Empenhado em ajudar as pessoas a encontrar um propósito na vida, ele propõe apenas um minuto de silêncio como o começo de uma grande mudança interior. O movimento criado por ele, Awaken Love, ganha adeptos de todo o mundo.
Mas Prem Baba não fala somente sobre autoconhecimento e espiritualidade. Ele transita por diversas áreas e tem dedicado grande parte do tempo – dividido entre Brasil, Índia e o resto do mundo – às causas ambientais. Para o mestre, tudo está conectado. Durante uma passagem por Florianópolis ele concedeu esta entrevista e falou sobre consciência, empatia, amor e superação do luto.
Há um movimento de busca por espiritualidade e autoconhecimento. Porém, ao mesmo tempo, a gente vê uma corrente crescente de intolerância no campo religioso, ideológico, político. Como o senhor avalia esse cenário?
Está havendo uma intensificação do fanatismo. É um fenômeno curioso. O fanatismo é o fato de aceitar ou rechaçar algo com base em um dogma, em uma crença, sem nem mesmo ter experimentado. Algumas pessoas às vezes criticam e reagem a uma manchete sem ter lido o texto. No que diz respeito à intolerância ou a essa guerra religiosa, isso sempre existiu, se manifesta há milênios, mas somente agora é que estamos podendo enxergar mais claramente. É como se houvesse um grupo de pessoas ampliando a percepção e conseguindo enxergar isso. Há uma doença do ego humano, uma insanidade. A ponto de a gente dizer que o meu Deus é melhor que o seu, a minha verdade é mais pura e mais santa que a sua. Isso é um aspecto dessa doença que é a cegueira criada por um sistema de crenças que está muito enraizado. Eu sinto que hoje está havendo um fenômeno no planeta que estou chamando de revolução de consciência: um grupo de almas que está despertando e conseguindo enxergar além dessas crenças. E está surgindo com isto que é chamado de espiritualidade. A espiritualidade que acontece fora das estruturas religiosas. Às vezes também dentro, mas não necessariamente. Quando a gente consegue realizar isso, então é possível até ressignificar a religião. Porque quando você realizar essa verdade dentro de si, você vivenciará essa autotransformação, você compreenderá que não é possível usar o nome de Deus para fazer uma guerra, que não é possível usar o nome de Deus para separar, para dividir. Nós precisamos de amor, nós precisamos de união.
Por que o senhor acredita que algumas pessoas e culturas não conseguem lidar com as diferenças, enquanto outras têm mais facilidade para aceitar o outro?
Assim como uma planta se desenvolve em um tempo diferente de outra. Nós estamos falando de maturidade, de percepção. Algumas pessoas conseguem olhar além deste sistema rígido de crenças e outras não. Algumas só conseguem olhar através de determinadas lentes coloridas, que são essas crenças, que distorcem a percepção da realidade. Elas só conseguem acreditar naquilo que aprenderam e não conseguem olhar além. Por isso que nessa revolução de consciência estamos revendo inclusive o sistema educacional. É fundamental que a gente propicie para nossas crianças esta flexibilidade de pensamento, de percepção. É importante abrir novos horizontes, ir além dessas caixinhas pequenas que nos fazem tão limitados.
Além do trabalho com as crianças, como os adultos podem ajudar outros adultos que têm mais dificuldade de aceitar as diferenças a abrir a visão?
Eu considero que o caminho para os adultos é empatia. Porque nós temos que conseguir eliminar do nosso coração a guerra. O jogo de acusações, o vício, o hábito de apontar o dedo para o outro e dizer que ele é o responsável pela nossa infelicidade, pela nossa incapacidade de amar, pela nossa incapacidade de ser feliz. Temos esse hábito ou até mesmo um vício de acreditar que somos uma vítima indefesa diante das dificuldades que nos acontecem. Estamos caindo repetidamente no mesmo buraco e sempre acreditando que isso foi por culpa de alguém. Acusamos o outro e não paramos para pensar que somos nós que estamos nos colocando nesse lugar. Então a autorresponsabilidade abre caminhos para a empatia.
A gente pode se colocar no lugar do outro e ver que de repente ele está fazendo isso porque está sofrendo muito, tem uma dor profunda com a qual não pode lidar. Mas só vamos conseguir isso quando formos capazes de lidar com as nossas próprias dores.
A sua missão, principalmente em 2017, tem sido ajudar as pessoas a encontrar um propósito, porque quando cada um tem esse entendimento tudo fica mais fácil...
Tudo fica mais fácil. Quando uma árvore de laranjas está dando laranjas, e não maçãs, ela vai aceitar o lugar dela no mundo. Não vai querer ficar disputando com o outro, competindo com o outro.
Tenho percebido que há uma busca por esse propósito. Existe um prazo para encontrá-lo? Às vezes, pensamos que estamos velhos, que não temos mais como mudar.
Não existe prazo. Essa é a boa notícia. Tenho me deparado com pessoas das mais diversas faixas etárias se realizando, encontrando um propósito. Claro que quando se é mais jovem, essa busca é mais intensa. Mesmo assim tenho encontrado quem inclusive já se aposentou, mas está em busca de um significado para a vida, de um sentido para o fazer dela no mundo. Então, é hora de uma nova fase, uma nova etapa do propósito.
No fim do ano é um costume fazer resoluções e definir uma lista de promessas que, muitas vezes, não são cumpridas. Por que o senhor acredita que isso acontece?
O assunto é complexo. O ser humano carrega contradições dentro de si. Normalmente há uma parte consciente que quer algo e se move em direção a esse objetivo, mas sempre existe uma parte inconsciente que é majoritária, que às vezes quer ir para o lado oposto. Então vamos supor que você quer começar o ano com mais saúde, quer emagrecer. E aí promete a si mesmo que vai se matricular na academia. Vai lá, se matricula e começa a dieta. E vai bem até o meio-dia. À tarde você acaba se traindo em absolutamente tudo e não consegue fazer mais nada. Por quê? Uma parte consciente quer isso, mas uma parte que você não conhece deseja o oposto. Eu falo que é complexo, é difícil até de tratar em uma entrevista como esta, porque é difícil até para a pessoa acreditar que tenha dentro dela uma parte querendo machucá-la. Que tem uma parte dela desejando o oposto daquilo que ela conscientemente deseja, mas eu afirmo para você e provo. Isso é verdade, isso existe. E só por meio do autoconhecimento é que possível resolver essa equação.
A maioria das pessoas conhece o seu trabalho com a espiritualidade e não imaginam que o senhor tem uma atenção grande com o meio ambiente. Está tudo conectado, não?
Exatamente. Eu tenho focado no meio ambiente de uma forma geral com uma série de projetos sociais que estou envolvido. Tenho estimulado a ideia da materialização dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, traçado pela ONU, para que possamos encontrar caminhos para a sustentabilidade. Eu considero que isso seja eminentemente espiritual, até porque eu considero que essa crise que estamos vivendo seja espiritual. Ela é gerada por uma desconexão da nossa realidade interior que está além das crenças. Tenho dedicado bastante atenção e energia para o tema da água. Considero que ela não é só uma commodity, mas um princípio vital e também espiritual. Normalmente nos fóruns e seminários que tratam de recursos hídricos se desconsidera o aspecto subjetivo envolvido. Todo esse desequilíbrio hídrico que está havendo, escassez em diferentes lugares, excesso de chuva em outros, mudanças de clima, estão relacionados a essa revolução de consciência. A água nos inspira a olhar para os nossos sentimentos mais profundos.
Em novembro, completou-se um ano da tragédia com o avião da Chapecoense, um acontecimento que mexeu muito e ainda é muito sensível para Santa Catarina. Qual a sua visão sobre a morte e que mensagem podemos tirar desse episódio?
Em algum momento teremos que deixar esse corpo, teremos que lidar com perdas, com doença, envelhecimento e a morte. Esses são os pontos mais desafiadores do ser humano e ao mesmo tempo é real, é concreto. Todos nós adoecemos, envelhecemos, todos nós morremos e vamos perder alguém próximo. Lidar com a perda, lidar com essa dimensão do sofrimento é absolutamente necessário, precisamos nos abrir para olhar, para compreender, para acolher essa dimensão da vida humana. Então é claro que aqueles que experimentaram essa perdas, pessoas que estão ainda em luto por conta disso, precisam também aceitar essa dimensão da dor. Aceitar que aqui nesse mundo, infelizmente, essa é a realidade. Qual família que nunca perdeu alguém? Não existe. Toda família passa por uma perda, algum tipo de tragédia ou de acidente, porque isso faz parte da condição humana. Eu sinto que essa tragédia da Chapecoense fez com que o Brasil olhasse para essa realidade de uma forma que nem sempre se tem disposição. É difícil, muito difícil. Porque dói, machuca e porque não dominamos, não conhecemos, é assustador. Então, a gente prefere tirar da frente, não olhar, esconder debaixo do tapete. Minha sugestão para quem perdeu parentes, amigos, é que possa olhar para essa dimensão da vida, que possa compreender esse trânsito. Eu acho que essa reflexão começa com uma pergunta: quem sou eu? O que eu estou fazendo aqui nesse mundo? Por que eu nasci? Qual a razão para eu me levantar de manhã? Qual o propósito da minha vida? Eu sinto que essas perguntas vão levar a uma investigação sincera, honesta e profunda a respeito da existência humana. E poder, então, aceitar essa condição, poder reverenciar aqueles que foram, poder agradecer pela oportunidade de estar junto por um determinado momento, mas tem que seguir viagem.
O luto de certa forma também virou um tabu. Permite-se que as pessoas fiquem tristes por um tempo, mas depois é preciso reagir. Teria algum jeito de lidar melhor com isso?
Eu sugiro sempre o caminho da espontaneidade. Porque até o luto se tornou formatado. Tornou-se um regra. Há um jeito de se comportar durante o luto. ‘Eu tenho que ficar triste, eu tenho que chorar, tenho que sentir isso, sentir aquilo.’ Esse tenho, essa obrigação, limita a expressão da nossa espontaneidade. Sinto que precisamos de honestidade, em primeiro lugar, com nossos próprios sentimentos. Honestidade com o que estamos sentindo para deixar o luto seguir o curso. Para algumas pessoas, ele vai durar alguns dias. Para outras, alguns meses, alguns anos e, infelizmente, há quem leve uma vida inteira para superar.
Quando a pessoa supera o luto?
Ela supera quando consegue olhar para trás e agradecer. Quando consegue manter o coração feliz. Quando não cai mais em depressão, nem em sentimentos negativos, como arrependimento, culpa, um pesar pela perda em si. O que fica é uma saudade. A saudade é inevitável. Todos em algum momento podem sentir saudade porque a saudade é uma expressão do amor, é uma dimensão do amor, isso não tem como eliminar, isso faz parte da natureza humana também. Agora, enquanto houver arrependimento, culpa, dor, o luto não terminou.
Isso também tem muito a ver com a relação que as pessoas tinham com quem partiu ...
Exatamente. Eu sinto que uma lição muito profunda que uma perda traz é exatamente aquilo que a gente deixou de viver. Sempre estou ensinando que é preciso estar pronto para partir. Porque se for hoje o dia da partida, que eu esteja pronto. Estar pronto significa não deixar pendências, não deixar rastros, não deixar coisas para serem ditas. Então, se eu tiver que dizer ‘eu te amo’, vou dizer agora. Porque se eu não posso expressar esse amor e essa pessoa for embora, vai ficar um buraco muito difícil de ser preenchido.
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