Sob o ponto de vista religioso, a fé 
é a crença nos dogmas particulares que constituem as diferentes religiões, e 
todas as religiões têm seus artigos de fé. Quanto à fé, ela pode ser raciocinada 
ou cega. A fé cega nada examina, aceita sem controle o falso como o verdadeiro, 
e se choca, a cada passo, com a evidência e a razão; levada ao excesso, ela 
produz o fanatismo. Quando a fé se baseia no erro, cedo ou tarde se desmorona; 
mas a que tem por base a verdade garante o futuro, porque nada tem a temer do 
progresso das luzes, porquanto o que é verdadeiro na sombra também o é na 
claridade. Cada religião pretende ter a posse exclusiva da verdade, porém, 
preconizar a fé cega sobre um ponto de crença é confessar sua impotência para 
demonstrar que está com a razão.
         Diz-se vulgarmente que a fé não se 
receita, daí muitas pessoas afirmarem que, se não têm fé, não é por sua culpa. 
Sem dúvida, a fé não se receita, mas se adquire, e não há ninguém a quem seja 
recusado possuí-la, mesmo entre os mais refratários. Nós falamos de verdades 
espirituais fundamentais, e não desta ou daquela crença em particular. Não é a 
fé que deve ir até eles, são eles que devem ir ao encontro da fé, e se a 
procurarem com sinceridade, a encontrarão. Tende, pois, como certo que aqueles 
que dizem: “Não desejamos nada melhor do que crer, mas não o podemos”, o fazem 
com os lábios, não com o coração, visto que, ao dizerem isso, eles fecham os 
ouvidos. As provas, no entanto, são muitas à volta deles; por que, então, se 
recusam a vê-las? Em uns, é pela indiferença; em outros pelo medo de serem 
forçados a mudar de hábitos e, na maioria, pelo orgulho, que se recusa a 
reconhecer um poder superior, que os faria inclinar-se diante dele.
         Entre algumas pessoas a fé, de 
alguma forma, parece inata; uma centelha é suficiente para desenvolvê-la. Essa 
facilidade em assimilar as verdades espirituais é um sinal evidente de progresso 
anterior; em outras, ao contrário, elas só penetram com dificuldade, sinal não 
menos evidente de uma natureza em atraso. As primeiras já acreditaram e 
compreenderam; trazem, ao renascer, a intuição do que sabiam: sua educação está 
feita. As segundas têm tudo a aprender: sua educação está por fazer. Ela, porém, 
se fará, e se não for terminada nesta existência, será em uma outra.
         A resistência do incrédulo, é 
preciso convir, quase sempre é devida mais à maneira como lhe apresentam as 
coisas do que a ele mesmo. Para se ter fé necessita-se de uma base, e essa base 
é a compreensão perfeita daquilo em que se deve crer; para crer não basta ver, é 
preciso principalmente compreender. A fé cega não é mais deste século[1]; ora, é 
precisamente o dogma da fé cega que causa, atualmente, o maior número de 
incrédulos, porque ela quer se impor, porque ela exige a abdicação de uma das 
mais preciosas prerrogativas do homem: o raciocínio e o livre-arbítrio. É contra 
essa fé, sobretudo, que se revolta o incrédulo, o que confirma a afirmativa de 
que a fé não se impõe. Não admitindo provas, ela deixa no espírito um vazio de 
onde nasce a dúvida. A fé raciocinada, que se apóia sobre os fatos e a lógica, 
não deixa nenhuma obscuridade; a pessoa crê, porque tem a certeza, e só tem a 
certeza porque compreendeu. Eis por que essa fé não se dobra: visto que não há 
fé inquebrantável senão aquela que pode encarar frente a frente a razão, em 
todas as épocas da humanidade.
         É a esse resultado que o 
Espiritismo conduz, triunfando também sobre a incredulidade, todas as vezes que 
não encontra a oposição sistemática e interessada.
Allan Kardec
in Cap. XIX “O Evangelho segundo o 
Espiritismo” (2ª Ed CELD)
Centenas de textos à sua disposição.

 
 
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