Rieu

21/06/2015

(Imagem: Divulgação da peça A Alma Imoral)
Obra desperta reflexão sobre fidelidades e traições
 O livro A alma imoral, de Nilton Bonder, tem alcançado sucesso por anos consecutivos, tanto por meio do livro, como com a peça de teatro adaptada. E talvez seu sucesso se deva ao fato de que a obra nos faz pensar de maneira assustadora sobre os conceitos vigentes e sobre como muitas vezes nos enjaulamos nestes conceitos antes de buscarmos significados mais verdadeiros para nossa alma.
Alguns questionamentos centrais se referem a especificidades da cultura em que estamos inseridos (ocidental, que recebe influência de valores norte-americanos e europeus, globalizada, plural, adepta do estilo de vida fast, conectada por redes sociais.). Neste sentido, ao se pensar em reflexões sobre A alma imoral e sobre o tema deste texto - o poliamor - surgem imediatamente algumas perguntas. Trair é errado? Alguns responderiam que sim, baseados nos argumentos de que trair machuca o traído, rompe a confiança do casal, estabelece paranoias na relação... Mas e se encararmos de outro modo esta pergunta, esmiuçando-a um pouco mais? O que é trair, afinal? E trair a si mesmo, aos seus próprios sentimentos, pode?"O que é trair, afinal? E trair a si mesmo, aos seus próprios sentimentos, pode?"

POLIGAMIA E POLIAMOR: ACORDO DE UM LADO, AFETO DE OUTRO
Sabemos que existem países orientais em que é prática homens se casarem com mais de uma esposa. Há grupos indígenas¹ que praticam a poligamia e a poliandria (casamentos com múltiplos homens e mulheres). Alguns grupos religiosos, como islâmicos tradicionais e judeus ortodoxos entendem a poligamia como um sistema que preserva a espécie, permitindo que os homens procriem mais.
Todos estes entendimentos, no entanto, passam por reformulações constantes, e se referem a conceitos culturais sobre casamento e não sobre o amor. Poligamia não necessariamente implica poliamor, e o contrário também é verdadeiro. Ter mais de um(a) esposo(a) relaciona-se diretamente a uma lógica formal de estrutura familiar, sociedade, procriação, mas não dá legitimidade aos sentimentos envolvidos nestas relações, que podem ser apenas de contrato formal, e não de amor.
O poliamor, ao contrário, não presta contas ao Estado ou às leis, pois não se refere à formalização legal de um casamento ou de uma união estável (pode vir a ser), mas sim ao sentimento, ao afeto existente entre as partes. O poliamor presta contas à alma, e apenas a ela, ou melhor, às almas envolvidas. Por este motivo, poderíamos associar o poliamor a algumas palavrinhas mágicas, como liberdade, verdade, completude, respeito, integridade e plenitude.
SUBMISSÃO A CONVENÇÕES SOCIAIS EM DETRIMENTO DA FELICIDADE PESSOAL E GENUÍNA
Mas se o poliamor é tão libertador, por que é tão difícil praticá-lo? Por que assistimos a milhares de pessoas que se machucam em casamentos infelizes ou se sentem profundamente culpadas por amarem mais de uma pessoa ao mesmo tempo?"Por que assistimos a milhares de pessoas que se machucam em casamentos infelizes ou se sentem profundamente culpadas por amarem mais de uma pessoa ao mesmo tempo?"
Voltemos ao início deste texto, quando apontamos os padrões culturais geracionais que nos formaram. Se entendermos formação como algo a que devemos referências (ou reverências?), é possível verificar a prisão a que nos expomos.
Há, nesse sentido, uma dose de sacrifício pessoal em nome da manutenção de uma sociedade idealizada, em nome da manutenção de casamentos, do crescimento "adequado" de filhos, do "melhor" para todos. Freud já anunciava esta difícil equação em seu livro O Mal-Estar da Civilização. O que escolher, afinal: o desejo do sujeito ou o desejo da coletividade? Parece que há um falso conflito neste sentido, pois a sociedade e a coletividade são constituídas de indivíduos, e se estes sujeitos estiverem infelizes em sua subjetividade, não há como garantir um coletivo em equilíbrio."a sociedade e a coletividade são constituídas de indivíduos, e se estes sujeitos estiverem infelizes em sua subjetividade, não há como garantir um coletivo em equilíbrio."
Este entendimento é fundamental para a compreensão de que os anseios pessoais estão em diálogo com os sociais, e mais ainda, são estes anseios que constroem e modificam a História, a partir de processo de amadurecimento coletivo.
Portanto, chega-se a um momento histórico em que se é possível vivenciar o poliamor, falar sobre isso, ter sonhos e expectativas a este respeito, não ainda de maneira plena e totalmente aberta, mas há um apelo para se considerar este caminho como legítimo. Cada ator social: eu, você, nós somos chamados a reformular os contatos humanos a fim de que mais pessoas sejam felizes e livres em suas formas de amar. Se amamos nossos pais, irmãos e amigos, dividindo nosso tempo, atenção e afeto entre eles e tendo eventualmente ciúmes nestas relações, certamente temos exemplos de como seria a prática de amores românticos múltiplos e simultâneos. Não se trata de não ter nenhum apego ou ciúme, mas de trabalhar e lidar com estes sentimentos, lembrando que o outro está ali ao lado não por conta de regras, filhos, papeis, mas pelos atos mais belos da vida: o amor e a felicidade.
A caminho do amadurecimento, o poliamor segue como uma possibilidade que acena para um cenário de respeito e liberdade ao ser. E que vivam todas as formas de amor e amar!
SOBRE O AUTOR:CLARISSA DE FRANCO
É psicóloga e cientista da religião. Atua na temática da morte (perdas, luto e suicídio) e no debate entre religião e ciência, passando por temas como ateísmo e Astrologia. Saiba mais »
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