Rieu

11/02/2015

Livre Do Passado Para Resgatar O Presente

Imagem: Divulgação
Longa detalha jornada da escritora Cheryl Strayed em busca de si mesma

O filme "Livre" (2014), "Wild" (selvagem) no original, é baseado na história real da escritora Cheryl Strayed e consegue a proeza de trazer uma atriz que fisicamente se assemelha a ela, uma curiosidade interessante verificada no final, após os letreiros.
Indicada ao Oscar 2015 na categoria de melhor atriz, Reese Whitespoon, que até então tem vivenciado papeis sem muito brilho em sua maioria (como no filme Legalmente Loira), dá vida a uma jovem adulta que parte para uma difícil trilha de 1770 km nos Estados Unidos, pretendendo superar um passado cheio de traumas e caminhos aflitos.
Merece destaque a personagem da mãe, interpretada pela lânguida atriz Laura Dern (também indicada ao Oscar 2015, de melhor atriz coadjuvante), que durante anos sustenta financeira e psicologicamente os filhos, por meio de uma filosofia de vida otimista e permeada por músicas cantaroladas. Esta, aliás, é uma marca do filme. As memórias, tanto as angustiantes quanto as leves e felizes, são regadas pelas cantigas e pelo sorriso discreto e conformado da mãe. Uma personagem que preserva os filhos do impacto da perda do pai, alcoólatra e violento, blindando Cheryl e seu irmão mais novo dos problemas de uma vida real.
E justamente com a morte da mãe por câncer é que tudo desmorona. Cheryl vê-se diante de um mundo cru, solitário e sem sentido. Não dá conta de elaborar sua dor sem se entregar a vícios em drogas, por exemplo."Cheryl vê-se diante de um mundo cru, solitário e sem sentido. Não dá conta de elaborar sua dor sem se entregar a vícios em drogas, por exemplo."
Seu marido, um amor importante desde a faculdade, ao saber de suas ações, não consegue permanecer ao seu lado e rompe o relacionamento de sete anos.
ELO DE LIGAÇÃO
Além das músicas cantaroladas, outro símbolo importante é o cavalo, que aparece como um elo de ligação entre Cheryl e seus bons afetos (mãe e marido). O diretor consegue estabelecer um paralelo rico entre a morte do cavalo e a da mãe, algo de significado marcante no filme. Não por acaso, a última foto da verdadeira Cheryl quando trilhou o caminhou mostra sua tatuagem de cavalo no braço, feita para manter a ligação entre ela e o marido que acabavam de se divorciar.
Durante a trilha, memórias surgem espontaneamente e outras são conscientemente evocadas, fazendo com que o expectador vá consolidando sua compreensão dos fatos em pedaços. O título do filme em português, Livre, parece desconectado com a sensação que perdura a maior parte do tempo, afinal, Cheryl mostra-se profundamente apegada e presa às suas vivências de dor. A personagem apresenta um lado fútil e amargo em alguns momentos, em contraste com a figura da mãe."Cheryl mostra-se profundamente apegada e presa às suas vivências de dor. A personagem apresenta um lado fútil e amargo em alguns momentos, em contraste com a figura da mãe."
Esta, por sua vez, incita a filha a fazer o "caminho da beleza" e a presenciar diariamente o nascer e pôr do Sol, colocando-a anos depois, sem saber, na Pacif Crest Trail.
LIBERDADE APÓS ENCARAR O MEDO E A SOLIDÃO
As memórias se juntam às vivências da trilha: caronas de desconhecidos, homens ameaçadores, hospedagens curiosas, eventuais companheiros de caminhada, necessidades fisiológicas, dores físicas, animais selvagens, erros de caminhantes de primeira viagem, unha arrancada, sangue, falta de comida... Uma lista de infindáveis surpresas e "perrengues". Parte da cura de Cheryl também se deu em um encontro sexual em que houve entrega verdadeira e a personagem expôs suas marcas de trilha ao parceiro.
Após os medos, as descobertas e a solidão da jornada, Cheryl finalmente se encontra com a liberdade do título e se vê livre para cavalgar rumo a uma nova história. Reese, ao dar vida à confusa Cheryl, também se reencontra com seu talento, fazendo as pazes com a academia do cinema. Interessante, mas não tão selvagem assim. Vale assistir.
SOBRE O AUTOR:CLARISSA DE FRANCO
É psicóloga e cientista da religião. Atua na temática da morte (perdas, luto e suicídio) e no debate entre religião e ciência, passando por temas como ateísmo e Astrologia. 
Revista Personare





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