Filme
"Ela" faz refletir sobre validade dos sentimentos na era virtual
"Ela": eis um filme que polariza opiniões "ama ou
odeia", e que desperta discussões profundas sobre a existência humana em
uns, enquanto outros saem do cinema dizendo que nunca mais vão recuperar aquele
tempo perdido. Então já vou deixando claro que sou do time que achou o filme
incrível, a começar pelo título "Ela" ("Her", no original
em inglês), sendo que o personagem principal é um homem, o que a princípio
parece uma contradição.
Theodore Twombly (Joaquin Phoenix) tem uma vida rodeada de mulheres que
o fazem experimentar todo tipo de emoções. Ele é uma pessoa afetuosa,
constantemente em contato com seus sentimentos, e isso fica ainda mais claro
quando, logo no início, conhecemos seu trabalho: o personagem escreve cartas
pessoais sentimentais por encomenda, e é muito bom nisso. Theodore vive em um
futuro próximo, no momento do lançamento de um produto revolucionário: um
sistema operacional que foi criado para interagir e ter consciência, exatamente
como seres humanos.
O que no início parece ser algo desconfortável e absurdo, logo se
transforma em uma relação profunda, quando Theodore percebe que Samantha
(Scarlett Johansson) - nome de seu sistema - desenvolve uma personalidade
sensível, divertida e atenciosa. Seu relacionamento com ela se aprofunda à
medida que Theodore decide encarar as emoções do divórcio de sua esposa (Rooney
Mara), e que testemunha o relacionamento de sua melhor amiga (Amy Adams) também
desmoronar. Tudo começa a se transformar depois de um encontro frustrado com uma
mulher (Olivia Wilde), quando ele percebe quão complicado os relacionamentos da
vida "real" são, e o quanto Samantha o faz se sentir bem.
SENTIMENTOS TÊM PRAZO DE VALIDADE?
Para mim, esse é o ponto que mais me cativou no filme, que nos instiga a
refletir sobre a validade de nossos sentimentos e de nossos relacionamentos. Em
tempos atuais de amizade, namoro e sexo virtuais, e de tantas experiências
intensas e frustrantes, fica a pergunta: o que é real?
Serão nossas experiências virtuais uma forma cruel de manipular nossos
sentimentos, e menos verdadeiras que os relacionamentos de carne e osso? E
quanto às experiências do mundo real que ao final também se mostram como
"mentiras"? Seriam elas também apenas uma montanha-russa de emoções
em vão? O que é uma verdadeira conexão emocional, afinal de contas? E no final,
adianta a gente tentar responder essas perguntas com precisão? Será que não
temos que nos conformar com o fato de que tudo - o concreto e o virtual - é uma
criação da nossa mente? E no que diz respeito às expectativas e emoções nos
relacionamentos que temos com todas as pessoas da nossa vida?
Nessa realidade do filme criado por Spike Jonze, no qual uma não-pessoa
foi capaz de transformar verdadeiramente a vida de alguém real, não há final
feliz de contos de fadas e nem mensagens otimistas. Afinal de contas, seja no
mundo real ou virtual, o que encaramos o tempo inteiro é a lição da natureza da
impermanência das nossas emoções. Num minuto nos sentimos absolutamente
conectados, para no próximo nos sentirmos solitários. Num momento estamos em
euforia, e no outro em desolação.
E é justamente na interação com os outros que temos a oportunidade de
tomar consciência dessa dança interna da nossa mente. Podemos encarar isso de
forma pessimista, como uma sequência de autoenganos, ou simplesmente como a
incrível habilidade humana de criar histórias. E o que é nossa vida, senão a
concretização do subjetivo que criamos primeiro em nossa mente?
SOBRE O AUTOR:MELISSA SETUBAL
Profissional pioneira em Saúde
Integrativa no Brasil, criou sistemas que apoiam mulheres que sofrem com
sintomas do ciclo menstrual e com sua imagem no espelho. Atua como coach de
saúde, com atendimentos individuais e em grupo.
Revista PERSONARE
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